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Parece Milagre - Revista Veja - 03/07/2011
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Victoza, um remédio recém-lançado para o tratamento do diabetes, revela-se a grande arma na luta contra o excesso de peso também para pessoas sem a doença. Além de fazer emagrecer, ele oferece brandos e passageiros efeitos colaterais.

É grande a probabilidade de você, leitor, se identificar com a história a seguir. Ana Paula Nogueira tem 30 anos e, há pelo menos dez, está em guerra com a balança. Com 1,75 metro de altura, ela gostaria de pesar, no máximo 70 quilos. Já começou(e abandonou) umas vinte dietas diferentes - Bervely Hills, Atkins, da Sopa, da Lua, do tipo sanguíneo, e por aí vai. Ela também tentou os inibidores de apetite, mas não aguentava a irritação e a insônia causadas pelos medicamentos. A partir daqui, no entanto, a luta de Ana Paula toma um rumo diferente do da batalha da maioria dos brasileiros os quilos em excesso. No início de agosto, ela saiu do consultório do seu endocrinologista com a indicação de um antidiabético recém chegado ao país, a liraglutida (vendida sob o nome comercial de Victoza). Sem nunca ter apresentado alteração alguma nos índices glicêmicos - não é diabética -, Ana Paula começou o tratamento no mesmo dia. Na última semana, ela havia passado de 80 para 76 quilos. Quatro quilos a menos em exatos 32 dias - e isso porque Ana Paula não é adepta das dietas restritivas nem da prática regular de exercícios físicos.

Fabricada pelo laboratório dinamarquês Novo Nordisk, a liraglutida foi lançado na Europa e nos Estados Unidos em 2009 e 2010, respectivamente, e há cinco meses no Brasil. O fabricante e as agências de saúde só indicam o medicamento para o tratamento do diabetes tipo 2. Ele, no entanto, também tem sido receitado para emagrecer - prática na medicina conhecida como uso off-label, ou fora do rótulo, na tradução literal. Programado para durar um mês, o primeiro estoque de liraglutida que chegou ao país teve de ser renovado em apenas uma semana. Os dez endocrinologistas ouvidos por VEJA estimam que pelos menos um terço dos medicamentos tenha sido comprado por pessoas como Ana Paula - gordinha, mas sem diabetes.

O remédio tem se mostrado tão eficaz na perda de peso que o Novo Nordisk iniciou o processo para a aprovação da liraglutida também como emagrecedor. O resultado das duas primeiras fases de testes da substância em seres humanos já foram publicados nas revistas científicas The Lancet e International Journal of Obesity. O mais recente deles foi publicado em julho. Foram acompanhados 500 homens e mulheres, em dezenove hospitais europeus. Em cinco meses de tratamento, 85% dos voluntários perderam, em média 7 quilos. A pedido de VEJA, o endocrinologista Antonio Carlos do Nascimento simulou duas situações. Na primeira, ele associou o uso da liraglutida a um corte de 40% nas calorias diárias. Considerando que a maioria dos brasileiros consome 2000 calorias por dia, tirar 40% desse total equivale a 800 calorias a menos. Não é difícil abrir mão delas. Basta eliminar a pizza do domingo ou a feijoada do sábado ou o amendoim da happy hour. O resultado: 10 quilos a menos em cinco meses. Nascimento calculou, ainda, o impacto da liraglutida em combinação com dieta equilibrada e prática regular de exercícios físicos - uma hora por dia de atividade física moderada. Não caia para trás: a perda, nesse caso, pode ser de 12 quilos no mesmo período.

Como em qualquer estudo clínico, até agora, as pesquisas avaliaram o efeito da liraglutida apenas em pacientes graves - no caso, os participantes eram obesos. Desde de junho, no entanto, o remédio vem sendo testado em 5000 pessoas, de 27 países, entre os quais o Brasil. Todas elas com sobrepeso - gordinhos com, em média, 7 quilos acima do peso ideal. Essa é a última etapa antes de submeter o novo medicamento às autoridades sanitárias para que seja vendido como emagrecedor. "Só com o término desses trabalhos é que teremos segurança para indicar amplamente a liraglutida para combate à gordura", diz Walmir Coutinho, presidente da Sociedade Internacional para o Estudo da Obesidade. "Até lá eu recomendo cautela. " Coutinho só prescreve o medicamento para não diabéticos nos casos da obesidade quando já se esgotaram todas as outras opções de tratamento.

No dia a dia dos consultórios, contudo, os médicos têm testemunhado efeitos ainda mais animadores do que os apontados pelas pesquisas até agora - como os obtidos por Ana Paula ou pelo executivo Luis Henrique Pires de Oliveira Alves, de 42 anos, 11 quilos a menos em dois meses. "O que vejo na prática é que, em grande parte dos casos, a liraglutida tem proporcionado até mais perdas do que as alcançadas com os inibidores de apetite habituais", diz Antônio Carlos do Nascimento. Comparado à sibutramina, o anorexígeno mais vendido no Brasil, o novo remédio promove uma redução de peso cerca de 50% maior em cinco meses. "Além disso, a liraglutida pode ser usada por uma gama mais ampla de pacientes", diz o endocrinologista Alfredo Halpern, da Universidade de São Paulo. Dos 16 milhões de brasileiros que necessitam de remédio para emagrecer, metade deles (pelo menos) apresenta alguma restrição aos anorexígenos por causa dos riscos cardíacos e psiquiátricos que estes oferecem. O estudo publicado recentemente no International Journal of Obesity mostrou que o novo remédio não só não faz mal ao coração, como provoca uma baixa nos índices de pressão arterial. "O medicamento não interfere na química cerebral, como os emagrecedores tradicionais. Ele apenas imita uma substância que já existe no organismo", diz o endocrinologista Freddy Eliaschewitz, diretor do Centro de Pesquisas Clínicas, em São Paulo. Os efeitos colaterais da liraglutida são, portanto, menores. Nas duas primeiras semanas de uso, os pacientes se queixam de náuseas e dor de cabeça. Aqui um parêntese. os próximos dias, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deve anunciar o banimento de três dos quatro anorexígenos disponíveis atualmente no mercado. Pelos sinais dados pela agência, ficará apenas a sibutramina - e, ainda assim, sob regras ainda mais rigorosas.

O novo remédio imita a ação do hormônio GLP-1, envolvido nos mecanismos de saciedade e na produção de insulina pelo pâncreas. Devido a tais características, trata-se do primeiro antidiabético com atuação significativa na perda de peso. O GLP-1 é sintetizado toda vez que o alimento chega à porção final do intestino delgado. Nesse momento, o hormônio ativa as células cerebrais da saciedade e reduz os movimentos intestinais de contração, prolongando a satisfação alimentar. Como a liraglutida não depende da chegada de comida ao intestino, ela atinge uma concentração na corrente sanguínea até oito vezes maior que a do hormônio natural. Mas ela só estimula o pâncreas a produzir insulina quando os níveis de açúcar no sangue estão acima do normal. Por isso, segundo os especialistas, não há riscos de sobrecarga do órgão entre as pessoas saudáveis, sem diabetes do tipo 2. O remédio é administrado sob a forma de injeções diárias. O próprio paciente faz a aplicação, por meio de uma agulha de 6 milímetros de comprimento e menos de 1 milímetro de diâmetro acoplada a uma cânula de 16 centímetros de comprimento e da largura de uma caneta.

Por agir de maneira muito semelhante à orgânica nos circuitos de saciedade, a liraglutida muda a forma como os pacientes se relacionam com a comida. A diferença surge já no segundo dia de tratamento. O apetite é reduzido no mínimo à metade, sem que se perca o prazer à mesa. "Continuo a ir a restaurantes, a comer chocolate, tudo igual. Só que agora me satisfaço com porções bem menores", diz o empresário Bernardino Marques, de 39 anos, 6 quilos a menos em um mês. "Os inibidores de apetite não me davam esse equilíbrio. Com eles, eu perdia o gosto pela comida e, com isso, um dos prazeres da vida.

A liraglutida é fruto dos avanços de uma área relativamente recente da medicina, a que se propõe a esmiuçar a relação entre excesso de peso e o diabetes do tipo 2. Há 300 milhões de diabéticos no mundo, dos quais 14 milhões no brasil. Deles, 80% pesam mais do que deveriam. No início dos anos 2000, o médico Steven Shoelson, professor da Universidade Harvard, revelou como as células de gordura aumentam a resistência do organismo à ação da insulina. Quando engordamos, as células de gordura inflam ou proliferam. Assim como as cancerosas, para garantir o aporte de nutrientes, elas criam uma rede de vasos sanguíneos a seu redor. O detalhamento desse mecanismo é a prova de que o ser humano não foi programado para carregar um amontoado de células de gordura. É antinatural, herança dos piores hábitos da vida moderna. Com a liraglutida, finalmente, a medicina livra-nos desse fardo. Ao aumentar a sensação de saciedade, sem causar danos, ela pode ser considerada a bala de prata contra o excesso de peso.

A pedido de VEJA e com base nos estudos com o remédio liraglutida (o Victoza), o endocrinologista Antônio Carlos do Nascimento fez a projeção de quanto uma mulher com sobrepeso pode perder em três situações, ao longo de cinco meses: apenas com o medicamento; com o medicamento mais dieta equilibrada; e com o medicamento associado à dieta e a prática regular de atividade física.

Simulação

Peso Inicial - Tamanho de calça 48

* Apenas o remédio
Perda de peso 7 quilos - novo tamanho de calça 44
Benefícios para saúde:
- Queda de 3% no risco de derrame e de infarto
- Queda de 5% na taxa da pressão arterial

*Remédio + Dieta equilibrada
Perda de peso 10 quilos - novo tamanho de calça 40
Benefícios para saúde:
- Queda de 5% no risco de derrame e de infarto
- Queda de 10% na taxa da pressão arterial

*Remédio + Dieta equilibrada + Ginástica
Perda de peso 12 quilos - novo tamanho de calça de 38 a 40
Benefícios para saúde:
- Queda de 6% no risco de derrame e de infarto
- Queda de 12% na taxa da pressão arterial

 
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