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Um brinde ao verde e à verdade - Revista Veja - 22/01/2014
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Tomar sucos à base dê folhas e legumes é saudável, e até ajuda a perder peso – mas não pode burlar os mecanismos de funcionamento do metabolismo humano. Não existe, portanto, a salvadora dieta mágica do verão.

“O homem não pode viver de maneira saudável somente com alimentos, sem uma certa quantidade de exercícios.” A afirmação pareceu familiar, atual? E provável que sim – mas vale lembrar que ela tem alguns milênios. Foi escrita pelo grego Hipócrates (460 a.C - 375 a.C), “o pai da medicina”, no século V a.c. Por sua vez, o historiador Plutarco (46 d.C - 119 d.C.), conterrâneo de Hipócrates, acreditava que “pessoas magras são geralmente mais saudáveis” e chegou a comparar o corpo humano a um navio “que não pode ser sobrecarregado”; segundo ele, um bom médico seria aquele que, em lugar de remédios ou de bisturi, se valeria de dietas para manter a saúde de seus pacientes, A propósito, em grego, a palavra díaita – da qual se origina o termo “dieta” - significa um “modo de vida”, e não um programa alimentar com o objetivo exclusivo de perder peso. Pena que, a exemplo de outras lições da Grécia antiga – e é melhor nem começar a enumerá-Ias para não cair na tentação de citar Aristóteles e se aprofundar em uma certa “arte de promover o bem comum”. a política -. ideias e metáforas tão magníficas como as de Hipócrates e Plutarco sejam frequentemente distorcidas em nome de supostas soluções miraculosas para emagrecer ou mesmo manter o corpo em forma física e espiritual. Em Calories & Corsets – A History o{Dieting over 2 000 Years (Calorias e Espartilhos – Uma História da Dieta nos Últimos 2000 Anos), a historiadora americana Louise Foxcroft não hesita em sublinhar que “grande parte da indústria da dieta é fraudulenta”. Medicamentos. aparelhos. shakes mirabolantes: há de tudo nesse mercado que promete soluções rápidas para a perda de peso, já que. conforme observa Foxcroft, prevalece o entendimento de que emagrecer exige trabalho duro, demorado, aborrecido. E por isso, acentua ela, ”seguimos a última moda”.

A novidade nesse universo é o chamado suco verde – a bebida de ares saudáveis que dá a cor deste verão abrasador. Credita-se a ele a capacidade de acelerar o metabolismo, eliminar toxinas do organismo e proporcionar bem-estar ”do corpo e da alma” – além, é claro, de facilitar a perda de peso. A onda tem seguidores famosos e fiéis (leia a opinião de alguns deles e suas receitas de suco verde ao longo da reportagem).

Tudo começou em 2005, quando a americana Victoria Boutenko, professora de nutrição na Universidade do Sul do Oregon. publicou o livro Green for Li{e (Verde para a Vida), depois de comparar a alimentação dos americanos com a de chimpanzés selvagens. Apesar de apresentarem genética semelhante à humana. esses animais têm uma alimentação completamente diferente daquela da maioria das pessoas, rica em folhas – e contam com um sistema imunológico muito mais potente. Com base nessa constatação, Boutenko recheou sua obra de receitas baseadas em verduras e que tais. A “dieta verde” foi popularizada. a partir de 2012, por Kimberly Snyder, nutricionista de celebridades - tem entre suas clientes Drew Barrymore e Fergie – e autora de dois livros sobre detox, a limpeza interna do organismo, Por aqui, o interesse estourou nos últimos meses. A tese de Snyder é que o suco verde altera o Corpo de dentro para fora. ajudando a reduzir o apetite e a renovar as energias.

Há quem recorra ao suco com a preocupação pontual de emagrecer e aqueles que o tomam pensando apenas em se tornar mais saudáveis, acreditando em seus poderes de limpeza. ”Em geral, as pessoas começam com o objetivo de perder peso e depois acabam dispostas a adotar um estilo de vida mais saudável”, diz Alfredo Halpern, endocrinologista da Universidade de São Paulo (USP). Se, por um lado, o suco verde não é prejudicial à saúde – existe apenas uma restrição: devido à sua alta concentração de vitamina K, não é indicado para pessoas que tomam anticoagulantes -, por outro, não há nenhuma garantia de cumprimento de suas promessas. “Apesar das tão aclamadas características positivas desse suco, não existe nenhuma evidência científica de que ele acelere o metabolismo, dê vitalidade e limpe o organismo”. sustenta Carol Koprowski, nutricionista da Universidade do Sul da Califórnia.

Não é difícil compreender o porquê dessa descrença: não há corno burlar os mecanismos de funcionamento da máquina humana. Eles são regidos pelo metabolismo. Define-se como metabolismo um conjunto de reações químicas que ocorrem dentro de’ cada célula e são essenciais para a manutenção da vida. Respirar, comer, pensar, movimentar-se: ‘para qualquer atividade, o organismo utiliza energia, obtida a partir das calorias dos alimentos. Após a ingestão de uma fatia de pão, por exemplo, o alimento chega ao sistema digestivo e é quebrado em pequenas porções. Para que possam atravessar a membrana das células do intestino, os micro pedaços precisam ainda ser transformados em partículas de açúcar. Ao chegarem à célula, as partículas passam pela mitocôndria, responsável pela respiração celular, e entram em combustão ‘com o oxigênio. Como resultado, são gerados o gás carbônico e a energia – armazenada na forma de ATP (a sigla, em inglês, para trifosfato de adenosina), uma espécie de bateria biológica. E ela que abastece o corpo para realizar tudo o que está ao seu alcance -de andar a ler um texto como este.

O ganhá ou a perda de peso estão relacionados ao metabolismo adequadamente azeitado ou não. Quando se priva o organismo de alimentos, o processo metabólico se reduz, para consumir menos energia. A fim de manter o metabolismo naturalmente ativo, o indicado é comer a cada três horas. E o café da manhã – geralmente substituído pelo suco verde pelos adeptos da novidade – é considerado uma refeição essencial, pois serve para “acordar” o processo metabólico, que permaneceu mais lento durante o sono. O caminho para perder peso depende da interação entre o número de calorias que uma pessoa consome e o que ela gasta. Mais do que a privação de alimentos, o exercício é a forma apropriada para acelerar o metabolismo, aumentando assim o consumo de’calorias. Quem faz academia três vezes por semana pode ter um gasto calórico de até 30% a mais do que aquele despendido unicamente para a manutenção das funções .básicas do organismo; já um atleta, que pratica atividade regular e intensa, consegue acelerar seu metabolismo em até 50%.

Para emagrecer, o corpo passa por um intrincado processo de queima de gordura. Primeiro, perdem-se todas as reservas – como a glicose. No tecido gorduroso, é atividade, então, uma enzima que aumenta a quebra dos triglicerídeos liberando os ácidos graxos livres. Eles são utilizados como combustível para substituir a glicose e, assim, gerar energia. O problema é que, nesse processo, há uma diminuição dos níveis de leptina, hormônio da saciedade, o que faz com que o indivíduo sinta fome. “É um jogo químico difícil, que aciona uma máquina que faz com que você queira comer de novo”, explica o endocrinologista Antonio Carlos do Nascimento. idas conhecidas por sua ação “purificadora” - ou seja, que seriam capazes de tirar do organismo as toxinas liberadas pela má alimentação, bebidas alcoólicas e falta de sono – contribuiu para que o suco verde acabasse adquirindo também um aspecto, digamos, espiritual. A ideia de consumir somente água ou algum tipo de chá ou suco para eliminar as impurezas do corpo não é nova e alcança diferentes culturas e religiões. A palavra hebraica para jejum é tsum, que significa o sacrifício de “afligir a alma”. Santo Agostinho (354-430), teólogo de peso no âmbito do pensamento cristão, falava que o jejum “limpa a alma e eleva a mente’; “Não é uma questão de tomar algo bom ou que mate a sede, tão somente as pesquisas mostram que as pessoas querem ingerir alguma coisa que faça mais por elas, deixando-as saudáveis”, afirma Jonas Feliciano, analista especializado no mercado de bebidas da consultoria de marketing Euromonitor International. Pode estar aí a pista do sucesso do suco verde. Nos Estados Unidos, ele é industrializado e enche as gôndolas dos principais supermercados.

Não existe uma receita para o suco verde perfeito. Há várias “prescrições”. Quem gosta da bebida precisa atentar para um detalhe importante: é necessário consumi-la tão logo fique pronta, para que não se percam as propriedades antioxidantes, ou então congelá-la. O suco verde, como se vê, tem curta validade- no que se refere aos seus nutrientes; Resta saber quantos verões resistirá como modismo – até ser substituído por outra onda de dieta.

 
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